Etnopoesia do blablablá


A cada buraco de dar meu coração sobre a boca
a cada buraco de ar, meu coração sobe à garganta.

Marinheiros, enfrentamos uma grande onda com muita molha! Marinheiros!

Quietos, os marinheiros não podiam ouvir o capitão John Dickenson que, bancando Cook, não atentava à tormenta que ele chamava de marola: ventos, tornados, contravento, contratempo.

“Em caso de pouso sobre a água, coletes salva-vidas estão dispostos…”

Com tempo demorou o vento, e o capitão continuava sozinho a gritar (ou cantarolar).

“Oxigens will be provide… remember to put your own mask… if the life jacket…”

John Dickenson estava distraido. Seu corpo tinha sido espancado com gritos de Calma, Você quer que eu faça o quê? e, finalmente,  Estamos sempre a apagar fogos! Este último berro veio de navio inimigo, este antipirata, flotilha da Coroa cuja embarcação carrega em armas ferros quentes de tortura discursiva e em brasão, tutelas frias com imagem progressista…

Vai subir. Fudeu, é agora, meu corpo não volta, confio na pilota. Confio, hm
AAAAAAAAAAAAAAAAHH! AAAAH, Bolinha, bolinha, cadê, caiu! No, no chão, AAAAHH, meu sinto, solto? Não, vou saltar AAAAAHH! AHH! Achei  bolinha! AAAAAH! Ok, hm. HMMmmm. Aquela aeromoça lá da frente é muito gi.. AAAAAAAAAAAAAAAAAHHHHH! Cadê a Pilota carai, AAAHH! What? Ok, thank you. A aeromoça bochechuda disse que it’s all right. Calma capitão. Uff. Há ventos fortes pilota, você não disse que me ia fazer tanta troça com botões amarelos. Tranquilo, peguei no meu Snickers para matar a fome, mas com tanta emoção de bolso, ele estava mais fundido do que eu. Pedi à bochecha rosa if I can put mai chocolate in de frigobar, What? Look, my chocolate is pfrrfff, Oh, yeah, I can put it on glaces (smile at me, simpatica). Na saída do avião ela devolveu-mo bem rijo. Thank you, good night and good Job (o piloto não sabe que fora teleguiado, os neurocientistas hão de perceber o conto).

À entrada, no avião da secção de pára-quedistas do movimento do Rossio, o capitão seguia a marinha de cabeça baixa, ouvindo os conselhos de Nina, a Simone, quando foi alertado por voz grossa, de matriz africana, que dizia Good Night Sir. Ainda seguindo a marinha, John Dickenson não teve tempo de erguer os olhos, senão até o cimo de um largo sorriso alvo que penteou seu medo, desfazendo os nós que a fragata corsária tinha deixado nas costas do naufragado navio. Tranquilizado, o capitão passou pelos marinheiros primeiros, desobedecendo as leis numéricas (ou as regras de primitivização), dirigiu-se quase a correr, como quem corre cagando nas calças, até a última fila: ali rondava uma aeromoça gorducha de bochechas simpáticas (e rosas), e um banheiro para emergências líquidas, pois a água é trânsito e fonte de vida para John Dickenson.

Quando acordei com "Your SitBells blablablá", uma vontade doida de mijar, e umas anotações no colo, olhei para bochecha que de antemão já me dizia que No, a sorrir; mas ela riu-se quando lhe perguntei Where do I do to go to London. Em terra firme, Cigarro! Português, rápido!, já nem preciso de ninguém. Nem tive tempo de pensar nos Clash, quando vários flashes de luzes néon rasgaram meu olhar. Mas paulista não se irrita. Com essa coisa. De flash, ou gente armada. No trem, o trem é assim e assim que é, em Gatwick, amizade jamaicana me acolheu e indicou-me dom caminho (I’ll see you again, disse ele com olhares de quem sabe). Não foi difícil chegar no bairro da Virginia, a loba, para dormir (não sou chique, a instituição onde trabalho é que é. Não tinha dinheiro para comprar uma tosta, quanto menos um tostão). A sorte, que eu também adoro, me pegou de madrugada, com estômago a devorar-me pedaços de sonho: lembrei que era dia ou noite que caia o Cavuco (para os marinheiros de primeira viagem, é nome dado na livraria da vila para salário), e comprei três pastéis no indiano-que-nunca-fecha da esquina, graças à la Visa. Oh, Visa. Era picante a comida, só faltava o doce, de marmelo que eu prefiro.

Tive de esperar um dia de trabalho até Havear minha Battery carregada, e entretanto já recebi telefonema de que estava para chegar boa companhia de guiadora. Tive medo de sair de hotel porque não tô ligado como se faz pra olhar carroçaria vinda da Left, mas adorei ver.  Depois de idas e voltas em corredores kubrickianos, libertei-me acompanhado até o metrô subway, onde havia uma grande publicidade de fundo negro. A frase dizia “China is a threat to the West” (eu não entendo o que isto quer dizer, a não ser se for o chinês que não queria me deixar acender as luzes da reception para escrever e fumar só porque passavam das tuelve). Ao lado da frase, um panda de olhos vermelhos (será Mao, ou um panda voltando das catacumbas da extinção para matar o senhor West?). Assinava “The Economist". Graças ou não ao panda, Oxalá me levou ao Museu de História Natural, onde tomei aula com o douto Darwin. A lição chamava-se “Deception”, um exemplo de como uma fêmea babuína da família dos Hamadryas manipulava e provocava o macho dominante (dono do Harém) através de sedução travestida com meias-verdades de um macho Low-status. Tomado nota, corremos até o Hyde Park, onde o passeio foi entrecortado por exposição emocionante na galeria Serpentina. Os detalhes desta aventura estão exclusivamente reservados. Muito bonita a cidade, viu amiguinhos, mas amanhã não tem mais, porque o marinheiro que vos fala apresentar-se-á solenemente frente a oficiais da Marinha Botânica que querem saber como foi que peças do Pacífico, fabricadas por nativos, e transportadas pela frota do capitão Cook, foram parar algures em Lisboa.·. o capitão James Cook foi morto e devorado pelos nativos havaianos em 1779. Seu navio, porém, voltou em pedaços mas com peças destas para Londres. Querem saber mais? Não conto.

Com as pálpebras a pesar, John Dickenson descansa os dedos em teclas superSonycas, enquanto no televisor do quarto de hotel passam imagens de soldados bem armados (com telécotéco no capacete e tudo), e a legenda avisando que se trata de uma tal de Afghan War. O capitão Dickenson não sabe do que se trata, mas já viu desertos e não gostou. Sua atenção estava agora mirando orientações de comandante terrestre no Rossio, que pedia para que ficasse de olho nas agitações por vir: dia 30 de Junho Londres vai bombar*. Sem dizer nada, John queria apenas que o comandante ficasse tranquilo. Não era à toa que escolhera hotel no mesmo bairro que a University of London, para esticar ponte entre o Tejo e o Tames. O capitão, perto do rio de onde partiu fragata para o coração das trevas, é que queria saber como ia o Rossio.

Só tenho a certeza, contudo, que para vencer o FMI, é preciso primeiro vencer outro medo, que é o medo do FIM    




*txt escrito em passadas condições    

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Sendo fruto regenerativo de trindade feminista (Coragem, Ideia e Emoção), escrevo sempre pelos todos

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